O CINEMA NACIONAL E A AUSÊNCIA DE FILMES CRISTÃOS

Uma reflexão sobre as produções audiovisuais no país

Marianna Bortolini
4 min readJun 2, 2023

Entre os dias 16 e 27 do mês de maio, foi realizado o Festival de Cinema de Cannes, tradicional evento que está em sua 76ª edição. Trata-se da maior premiação do cinema, depois do Oscar — prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas -, sendo realizada na cidade localizada ao sul da França. O vencedor da Palma de Ouro de 2023, honraria máxima do festival, o filme “Anatomie d’Une Chute” (“Anatomia de uma Queda”), da diretora francesa Justine Triet, marcou a terceira vitória de uma mulher diretora na história de Cannes.

A presença de nomes brasileiros na festividade francesa é cada vez maior, dando visibilidade à produção audiovisual de nosso país. O Brasil já ganhou a Palma de Ouro — referência à plantação de palmeiras encontrada ao longo da praia na Riviera Francesa — em 1962, com o filme “O Pagador de Promessas”, do diretor Anselmo Duarte. Neste ano, nosso cinema foi representado na disputa pelo prêmio principal com o longa-metragem “Firebrand”, dirigido pelo brasileiro Karim Aïnouz, que conta com produção e elenco internacionais. Também tivemos destaque em anos anteriores com “Bacurau” (2019), “A vida invisível de Eurídice Gusmão” (2019) e “Aquarius” (2016).

Cada vez mais renomado no cenário mundial, o cinema nacional tem um dia específico em que é celebrado: 19 de junho. A data marca o dia em que o eleito primeiro cinegrafista do Brasil, o ítalo-brasileiro Afonso Segreto, registrou as primeiras imagens em movimento em território nacional. Esse marco ocorreu em 1898, apenas três anos após o nascimento do cinema, em 1895, quando foi realizada a primeira exibição do cinematógrafo dos irmãos Lumière, na França. O resto é história…

E para falar de cinema, a Oitava Revista conversou com o Pr. Bruno Barroso, que também é artista plástico.Você tem que peneirar muito”. Foi sua primeira reação ao ser perguntado sobre nossas produções cinematográficas. Na opinião do Pastor, o Brasil é marcado por filmes com “humor escrachado, conteúdo pornográfico e com um forte viés ideológico”. Ele relata: “Eu particularmente tento ver alguma coisa, mas é difícil. Tem que garimpar. São filmes difíceis de ver em família e muitas vezes com pouca intelectualidade”.

Sobre as obras que normalmente não cativam o grande público, os chamados “filmes de arte”, Bruno acredita que a audiência de fora desse meio — do “cinema para quem faz cinema” — não é considerada. “Me parece, e por isso lutam tanto pelo incentivo estatal, que não se preocupam com o público na hora de produzir cinema. Então, eu acho que o cinema nacional precisa maturar para além da ideologia. São filmes circunscritos a esse público [à comunidade artística] e marcados ideologicamente. Isso dá preguiça”, declara. Entretanto, o Pastor cita alguns filmes brasileiros que se destacam desse cenário, são eles: “Bicho de Sete Cabeças” (2000), “Meu Nome Não É Johnny” (2008) e “Central do Brasil” (1998).

Ao falar sobre a parcela de filmes voltados ao público cristão, no Brasil, podemos perceber que praticamente não existem grandes produções cinematográficas para essa população. Para ele, a igreja terá que produzir. “Falta [obras cinematográficas] e não adianta esperar, porque eles não vão produzir. O mercado evangélico é fechado, depende da igreja”, opina.

Essa produção de “cinema cristão” acontece com mais frequência no cenário internacional. Filmes como “Quarto de Guerra” (2015) e “Desafiando gigantes” (2006) — ambos estrangeiros — fizeram grande sucesso no meio evangélico brasileiro. Sem falar do enorme êxito da série “The Chosen” (2019 -), que vem ganhando fãs cada dia mais. O Pr. Bruno Barroso tem seus favoritos, e entre eles estão filmes como a trilogia das Crônicas de Nárnia (2005, 2008 e 2010), “A Paixão de Cristo” (2004), “Os Dez Mandamentos” (1956), “Paulo, Apóstolo de Cristo” (2018) e “Ben-Hur” (1959). Assim como as animações: “José: O Rei dos Sonhos” (2000) e “O Príncipe do Egito” (1998).

Entretanto, para esse grupo de filmes, ele também direciona suas críticas. “Eu acho que a produção para o público cristão tem uma estética e uma linha teológica marcadas. As teologias são questionáveis e a estética não atinge tanto um imaginário mais elaborado”, desaprova. Filmes como “Deixados Para Trás” (2000) e “Deus Não está Morto” (2014) estão entranhados no imaginário evangélico brasileiro. “Eu acho que eles sempre tentam dar ao contexto evangélico um ar de espiritualidade que foge muito do real, do cotidiano. Então, faz do povo evangélico ou do conteúdo bíblico, um pouco distante da realidade. Assim, eu acho que, a nível de arte, foge um pouco do que poderia fazer. Poderia ser mais realista, no sentido dos dilemas humanos. A minha crítica principal é fazer uma coisa meio simples demais, fora da realidade humana, e eu acho que a arte precisa tocar a realidade humana”, pontua.

Do seu ponto de vista, a arte como um todo deve ser produzida para a glória de Deus. O que seria isso? Seriam obras com um conteúdo esmerado de qualidade, rico e bíblico, como explica o Pastor: “Precisamos ampliar a produção artística despropositada do evangelismo nu e cru. Muito do que a gente faz é proselitismo; queremos neófitos, trazer gente para a igreja, e não pode ser só esse o objetivo”. Ainda segundo ele, outro ponto que não deve ser o alvo da nossa arte é visar apenas o mercado gospel. “Eu acho que uma pessoa que faz arte tem que pensar também naquele que não é cristão. O evangelho não é nicho”, finaliza.

As produções artísticas cristãs devem ser mais abrangentes. Como resume o Pastor, “a realidade do Evangelho é a realidade humana”. Somos criados pelo Criador para criar. Faça e consuma boa arte!

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Marianna Bortolini

Cristã, jornalista, apaixonada por teologia, literatura, história, cinema e jogos de tabuleiro. 27 anos. Escrever é pensar.